Em
fevereiro, António
Duarte já tinha tudo pensado para o Dia do Pai. “Vou levar o João
Miguel a ver uma exposição de dinossauros no Palácio de Cristal!” O entusiasmo é
compreensível se dissermos que este técnico comercial do Porto, 53, esteve
afastado do filho durante três anos e passou por duas acusações de abuso sexual,
até ser ilibado e conseguir a alteração da guarda parental, numa sentença
histórica em Portugal.
Augusto de
Sá, professor, 52, pode dar-se ao luxo de não ligar muito ao Dia do Pai
nos dias que correm. Está a contar com um telefonema da filha, ou uma visita. “O
normal”, diz com a tranquilidade de quem tem o amor filial garantido. Durante
mais de 10 anos não foi assim. Natais, aniversários e Dia do Pai eram datas que
reabriam a ferida da ausência da filha, com quem tinha perdido o contacto total
depois de um divórcio litigioso. Retomaram a relação depois da filha, agora com
22 anos, ter percebido que cresceu manipulada pela mãe para odiar o pai.
Fernando Sequeira, 50,
é professor de estatística mas tudo o que queria era não integrar a estatística
dos pais que viram o afeto dos filhos escapar por entre as malhas da alienação
parental. Lutou ao longo de 12 anos pela filha que hoje, com 14, recusa estar
com ele. António, Augusto e Fernando experimentaram uma das faces mais negras
das separações em guerra: quando um dos progenitores, geralmente o que fica com
a guarda da criança, decide excluir, para sempre, o outro da vida dos seus
filhos.
António Duarte: “Preferia não
ver o meu filho a fazê-lo passar por perícias médicas.
Para
António Duarte, agora que vive com o filho há dois anos cada rotina é um
deslumbramento, mas nem sempre foi assim. “Quando o meu filho nasceu eu e a mãe
vivíamos em cidades diferentes e estávamos a planear a vinda dela para o Porto
onde eu estava. Isso não aconteceu e começámos a afastar-nos. Vinha a Lisboa
todos os fins de semana para ver o meu filho, mas percebi que as coisas iam
correr mal quando lhe pedi para o levar a ver os avós ao Porto e ela disse que
não tencionava deixar que isso acontecesse tão cedo.
Achei
melhor pedir a regulação do poder paternal para estabelecer os meus direitos, e
o tribunal decretou as tradicionais visitas quinzenais. A partir desse momento
começou o inferno. Pedi transferência para Lisboa no emprego para poder ficar
mais perto do meu filho, mas ela nunca me deixou vê-lo. Tirou-o do infantário
onde andava e andei quatro meses a tentar descobrir onde estava.
Chegava
a ir de madrugada ao Cacém tentar segui-la e lá consegui descobrir que estava
num colégio, mas quando me apresentei não queriam deixar-me vê-lo e a avó ainda
me tentou agredir. Quando reportei os incumprimentos em tribunal, a mãe tentou
justificar a ausência de visitas dizendo que o meu filho mostrava instabilidade
emocional depois de estar comigo. Isto foi em setembro de 2007. Em janeiro de
2008 o tribunal decretou que as visitas se retomassem mas como já não estávamos
juntos desde agosto e ele tinha apenas três anos, as visitas tinham de ser
feitas na escola, e vigiadas, para promover a nossa reaproximação.
O primeiro dia foi de ansiedade, porque pude estar finalmente com
ele numa sala, levei toda a minha família. A reação dele foi de bebé, gatinhava,
pouco falava, acho que já mostrava sinais de instabilidade, gaguejava e não
parecia saber brincar. Como tudo correu bem e o colégio confirmou haver uma
ótima relação entre a nós e o resto da família, o tribunal autorizou novamente
os fins de semana. Só consegui ter um.
No mesmo dia em que o entreguei, a avó foi com ele ao hospital
Amadora Sintra com uma denúncia de abuso sexual. Voltaram a ser suspensas as
visitas. Ele foi sujeito a avaliação física e psicológica no Instituto de
Medicina Legal que não encontrou quaisquer sinais de abusos. O Ministério
Público arquivou a acusação. Entretanto via o meu filho nas instalações do
Instituto de Reinserção Social, numa sala minúscula, e na presença de pessoas
estranhas que me estavam a avaliar. Ainda assim, correu tudo bem, graças a Deus
o meu filho nunca deixou de gostar de mim, e voltei a ter direito aos fins de
semana com ele.
Nesse ano passei as primeiras férias com o meu filho no Verão.
Estava felicíssimo. Mas mais uma vez, assim que o entreguei à mãe ela voltou à
carga com nova acusação de abuso no hospital. Disse aos médicos que ele estava
com o ânus dilatado e até se viam os intestinos. Felizmente os médicos depois de
observarem viram que não havia qualquer fundamento naquilo, mas nessa altura fui
eu que pedi ao tribunal para suspender as visitas ao meu filho. Se cada vez que
eu estava com ele ela o fazia passar por idas ao hospital, observações médicas e
fotografias, preferia não estar.
Qualquer pai tinha desistido. Tinha falta de esperança e
desistência, apatia. Estar este tempo todo sem poder estar com o filho e amá-lo,
é dantesco o que se vive. O que me deu força foi que a mãe nunca conseguiu que o
meu filho deixasse de gostar de mim. Em janeiro de 2009 consegui finalmente que
o tribunal passasse a guarda do meu filho para mim, foi uma sentença histórica
em Portugal. Hoje, ele tem ajuda psicológica e terapia da fala e já está muito
melhor. A mãe visita-o quinzenalmente. Recorreu da sentença para a Relação mas
felizmente eles não mudaram uma linha do acórdão.”
Augusto de Sá: “Estive 10 anos
sem ver a minha filha.”
Estive
casado 16 anos mas nunca podemos estar certos de conhecer alguém. Um dia
chega-se a casa e a outra pessoa diz que quer o divórcio. Tentei que não
acontecesse, aguentámos um ano, só depois percebi que havia outra pessoa. Quando
eu quis o divórcio, ela não quis, parecia que não conseguia viver comigo nem sem
mim. Tornou-se um comboio desgovernado, empenhada em fazer da minha vida um
inferno.
A
nossa filha tinha 12 anos, nessa idade é fácil dar a volta às crianças. A mãe
passou a andar com ela para todo o lado, fazia questão de me maltratar à frente
dela, dizia que eu era um porco, que tinha amantes, coisas absurdas. Deixei de
conseguir falar com a minha filha.
Foi
assim durante meses, até que decidi avançar com o divórcio sem acordo. O juiz
ouviu a filha, e ela, claro, disse que não queria ficar com o pai. Foi o
suficiente, separa-se uma família como se fosse um carro. Andava devastado,
vivia um terror psicológico constante, nunca sabia o que esperar. Várias vezes a
mãe foi à polícia dizer que eu a agredia e houve uma acusação de maltratos que
felizmente a minha filha não corroborou.
Um
dia tinha a PJ à espera, a dizer que eu tinha matrícula falsa... e tinha mesmo
(tinha sido ela)! Este carnaval durou três anos. Quando as pessoas querem ser
más vão até ao limite. O tribunal ilibou-me de tudo, mas nesta fase já recebia
cartas da minha filha a desejar-me um péssimo natal ou aniversário. Doía demais
ver aquelas atrocidades escritas com a letra dela e perceber que era influência
da mãe.
Optei
por me afastar. Foi uma questão de sobrevivência. Mas nunca deixei de ter filha.
Não estava era com ela. Há dois anos, ela contactou-me. Soube que tinha saído de
casa aos 16, zangada com a mãe; que teve uma filha aos 18 sem o apoio de
ninguém; que a mãe mentiu, dizendo que nunca paguei a pensão de alimentos. Hoje
sabe que viveu uma mentira, mas não falamos do passado. Sei que há coisas
irrecuperáveis, mas o que interessa é que agora a posso ajudar.”
Fernando Sequeira: “Endurecemos
por dentro.”
“Namorámos
durante sete, oito anos, estivemos casados 4. Dois anos depois da nossa filha
nascer ela arranjou outro companheiro. Saiu de casa e levou-me a filha. Fiquei
sete meses sem a ver. Avancei com o pedido de regulação de poder paternal, tive
a chapa três das visitas quinzenais mas tudo era boicotado. Não podia fazer as
visitas porque estava doente, não conseguia falar com ao telefone, havia
problemas constantes.
Ela
mudou de residência três vezes, mudava a miúda de escola, e eu tinha de andar
atrás para descobrir onde estava. Conseguia ver a minha filha na escola. Ia duas
vezes por semana de Torres Vedras à Charneca de Caparica vê-la nos intervalos.
Fui-me muito abaixo. Estive deprimido, bebia, cada data festiva que não estava
com ela era um drama, o sentimento de impotência gerou revolta mas nunca desisti
de lutar.
Sentia
uma grande ambivalência da minha filha comigo, uma necessidade grande de ela
obedecer à mãe, divisão em termos afetivos. Hoje tenho noção que o pior que fiz
foi meter o tribunal no meio, porque só suscitei mais vingança. A relação com a
minha filha foi-se deteriorando cada vez mais. Nunca consegui ter muita
autoridade sobre ela, e começou a afastar-se e a mentir. Diz que sim, que vem, e
não vem. Afastou-se de mim e dos avós.
Não
tenho um contacto de telemóvel sequer, vejo-a no Facebook, está muito bonita,
parece um sol, mas qualquer discurso meu cai em saco roto. Resta-me esperar que
cresça e acorde. Tive que ganhar defesas, antes estava em sofrimento constante,
era como se fosse a morte de uma pessoa, uma dor sempre presente. Estou vencido,
não convencido, mas desisti das guerras. Hoje em dia, com 14 anos, não tem
lógica obrigá-la. Ela já foi moldada num sentido. Não posso pensar em dias do
pai, ou natais, ou seja o que for...”
As mães também podem ser
vítimas de alienação parental. O fenómeno afeta mais pais, em parte porque as
mães ficam com a guarda em 86% dos casos.
Os filhos (não) são uma
arma
A
maioria dos casos de alienação parental segue o mesmo padrão, explica a mediadora familiar Maria
Saldanha P. Ribeiro, no livro ‘Amor de Pai - divórcio, falso assédio e
poder paternal’. A mãe – que fica com a guarda em 90% dos casos – inicia um
processo de manipulação, recorrendo à mentira e criação de falsas memórias, até
conseguir que o filho odeie o pai e se recuse a estar com ele. Impede
sistematicamente as visitas e outras formas de contacto. Um cenário
excecional?
Não
há estatísticas em Portugal, mas em novembro de 2010, numa entrevista ao DN , a
socióloga Catarina Tomás assumiu a alienação parental como tendência em
crescimento. A razão é simples, explica a psicóloga Rute
Agulhas: “Por um lado, há mais divórcios, por outro, vê-se um
empenhamento cada vez maior dos homens na parentalidade. Eles querem ser parte
da vida dos filhos, que ganham assim mais potencial para se tornar num objeto de
disputa.”
Há
7 anos que Rute Agulhas faz avaliações, a pedido do tribunal, nestes casos.
“Cabe-nos despistar se a rejeição tem razão de ser ou se há manipulação. A idade
pré-escolar é mais vulnerável mas o prognóstico é pior nos adolescentes, que já
rejeitam o progenitor de forma absoluta. “Estas situações são quase sempre
irreversíveis.”
A bomba atómica das acusações
de abuso sexual
Quando
surge no meio de uma guerra parental, neste contexto e timing, a acusação de
abuso sexual é quase sempre falsa, assegura a psicóloga Maria Saldanha P.
Ribeiro. O
objetivo é afastar o pai dos filhos. Para sempre. O tribunal decreta logo a
interrupção das visitas ou então impõe que se façam sob vigilância até se
concluir a investigação e começa um calvário de inquéritos, audiências, pedidos
de avaliação e perícias.
“É
o processo correto, só que as listas de espera para as avaliações têm anos.
Quando se conclui que o pai é inocente, muitas vezes a relação já se perdeu por
falta de contacto. As mães jogam com isto e fazem de tudo para o processo durar
mais tempo, faltam às sessões, multiplicam as legações...”, explica a psicóloga
Rute Agulhas.
Raramente
há consequências para a mãe. Para as crianças, dependendo da idade, os efeitos
passam pela ansiedade, insegurança, isolamento, depressão, dificuldade em
estabelecer relações de intimidade, baixa tolerância à raiva e hostilidade
dficuldades escolares, problemas de sono e alimentação.
Em 2010 deram entrada em
tribunal 11.283processos de incumprimento do exercício das responsabilidades
parentais.